sexta-feira, 20 de maio de 2022

L’imperfetto

 

Come arrivai qui in questo passato?

Soltanto percorrendo la vita a ritroso

In essa trovo un certo senso

 

Sono il passato del bambino,

Il bambino è il passato del neonato

Il neonato è il passato del nulla

 

La mia mancanza di prospettiva

È il passato dell’entusiasmo della giovinezza

Perché io non sono capace di essere il divenire di niente

 

Le ceneri della mia decrepitudine non sono la prova materiale

Di un fuoco dapprima ardente,

Sono l’indizio di un passato assente

Dove le ceneri erano soltanto un preannunzio

Del grande spettacolo che stava per iniziare,

Dove le impronte prendevano forma

Prima che arrivasse la voglia de fare il passo,

Dove il sorriso precedeva l’allegria

E il pianto se ne andava prima che si sentisse il dolore della ferita

 

Soltanto percorrendo le cose a ritroso

Riesco a sapere che esistetti e che fui differente,

Perché so che il passato può essere meravigliosamente imperfetto,

Che in realtà sono il passato del mio vecchio passato,

Perché senza ciò che sono ora

Tutto quello che fui

Semplicemente

Cesserà

Cessò

Cesserebbe

di esistere.

 


Pretérito imperfeito

 

Como cheguei aqui neste passado?

Só percorrendo a vida de trás para frente

Encontro nela algum sentido

 

Eu sou o passado da criança,

A criança é o passado do bebê

E o bebê é o passado do nada

 

A minha falta de perspectiva

É o passado do entusiasmo da juventude

Porque eu não posso ser o advir de coisa alguma

 

As cinzas da minha decrepitude não são a prova material

De um fogo outrora ardente,

São o vestígio de um passado ausente

Em que as cinzas eram apenas um prenúncio

Do grande espetáculo que estava prestes a começar,

Em que as pegadas imprimiam-se

Antes da vontade de dar o passo,

Onde o sorriso antecedia a alegria

E o choro passava antes de doer a ferida

 

Só percorrendo as coisas de trás para frente

Consigo saber que existi e que fui diferente,

Por isso sei que o pretérito pode ser maravilhosamente imperfeito,

Que de fato sou o passado do meu antigo passado,

Porque sem isso que sou agora

Aquilo que fui

Simplesmente

Deixará

Deixou

Deixaria

de existir.

 

 


quinta-feira, 7 de maio de 2020

A roda


O trabalho é um órgão que pulsa
No corpo-humanidade,
É o pulso descompassado
Da velha modernidade

É o pão amassado com o suor,
Pela mão pequena da criança, pela mão enrugada do idoso,
Sem infância, sem descanso
É a ciranda dos Direitos do Homem,
Direitos de fumaça,
Miragens que se dispersam no ar pesado da realidade

O trabalho é a fonte fresca de água doce que deságua no mar salgado,
Vidas que se perdem buscando o sustento,
Vidas que se secam no deserto das fantasias alheias

O trabalho é o combustível que alimenta o motor-sociedade
É liberdade vestida de prisão e travestida de fantasia de liberdade

O trabalho é uma posição na pirâmide-sociedade:
Homens-alicerce, homens-base, homens-médios, homens-ponta
E assim a humanidade é pintada como uma multidão organizada que progride,
Desde que a parte de baixo não se mova,
E não dance ao som dos próprios anseios

É difícil sustentar o peso de tantas vidas humanas,
Mas o medo faz parecer legítimo aquilo que não é,
E a razão engole seco e se convence de que não existe outro meio,
E se cala, se cala, se cala

Trabalho também pode ser realização, projeto, sonho,
Pode ser a construção de si mesmo,
Não apenas o sustento do tão incógnito mercado,
Que deixa sempre um gosto amargo na boca daqueles que
Trabalham, trabalham, trabalham.

A roda do tempo gira,
Mas a engenhosidade humana não se cansa de trabalhar
Para gerar novas formas de servidão

É estranho nascer livre neste lugar
E ao crescer ter a certeza de que deve algo
Àqueles que se declaram os legítimos proprietários de quase tudo o que existe,
É engraçado saber que todos nascem filhos da Terra,
E passam a vida a lutar para serem bons inquilinos

O trabalho é o salão onde caem as máscaras,
E ficam evidentes as contradições mais profundas da nossa adorada humanidade,
Seus vergonhosos abusos e sua genialidade dourada,
É o campo de testes dos ideais, é o palco das ambições, é o metro das capacidades
É onde deixamos bem claro, como homens, que cada indivíduo pode ter um preço,
Que a sua vida pode ser comprada aos pedaços,
Que com os pedaços que sobram é possível comprar algumas coisas,
Mas não é possível comprar um sentido para a própria história,

Pura vertigem,

Roda, roda, roda.




Mariangela Ragassi
07.05.2010

segunda-feira, 28 de março de 2016

Admissão




Admissão


É difícil admitir certos fatos,
Mas se não fizer isso, não vou conseguir me mover,
Vou cavar minha cova patinando sempre no mesmo lugar;

Vamos lá:
É difícil admitir que cresci sem refletir muito sobre o que sempre pareceu ser a ordem natural das coisas,
Uma ordem que não nasce da natureza das coisas,
Mas da vontade do homem.

Aprendi que as coisas têm de ser organizadas, porque o caos é o inferno,
Aprendi que qualquer organização é melhor do que nenhuma.
Qualquer uma.

Aprendi a aceitar a ideia de que as pessoas são naturalmente más,
Que só com mecanismos de repressão é possível conviver em sociedade.
Aprendi que os mais frágeis, os rebentos, os miúdos,
Aqueles que deveriam ser protegidos como plantas delicadas dos predadores adultos,
Também aprendem muito cedo o gosto pela perversão.

Aprendi desde o início que o escárnio dá um prazer imenso,
Que diminuir o outro traz um bem-estar tão pleno e poderoso
Que é quase uma das melhores e mais antigas sensações que estão lá,
Acomodadas na prateleira das minhas armas de sobrevivência.

É difícil admitir, mas é melhor não enrolar muito e soltar logo o verbo.

Não tenho a menor ideia de quem eu sou ou do que eu estou fazendo aqui,
Mas quero estar por cima. Quero ser a melhor.
Aprendi que a vida é uma competição, uma luta perene,
Até o último suspiro,
Na qual ocasionalmente encontramos aliados passageiros,
Mas que no fundo estamos sós. Sempre sós.

É preciso competir desde cedo.
Todos os pequenos aprendem isso.
Têm de se destacar para merecer atenção.
Se não chamam a atenção, não são nada.

Aprendi que ser humilde é uma das maiores bobagens que alguém pode fazer na vida,
Que o humilde é a coisa que fica lá, exposta para todo mundo chutar.
Aprendi que os santos são enaltecidos para nos mostrar como não somos
E como nunca deveremos ser.

Aprendi que tenho de ser funcional,
Não para exprimir aquilo que tenho dentro e que quer sair, crescer, interagir, construir, criar
Devo apenas fazer o máximo para moldar-me e transformar-me numa peça,
Naquela que falta em alguma engrenagem fumacenta,
De uma máquina qualquer que esgote tudo que está ao redor na manutenção da própria existência.

Aprendi que a justiça serve ao poder, que o poder é do mais forte, que o mais forte venceu.
Aprendi que existem remédios para quem sofre de sensibilidade,
Que se dopar às vezes é ilegal, mas nem tanto.
Que todo mundo acaba se dopando, mais cedo ou mais tarde.
Porque o mundo é uma selva,
Todo mundo tem que aprender a pisar nos cadáveres dos próprios sonhos,
E seguir adiante, de cabeça erguida,
Usando a melhor arrogância que conseguir tirar do bolso ou comprar na esquina.

Aprendi que aqueles que desistem e perdem a vontade de viver são tristes exceções,
Embora a depressão seja algo extremamente comum e exatamente a mesma coisa.

Aprendi que a vida em si pode perder o sentido,
E que quando isso acontece, é melhor ter meios para comprar um.

Aprendi que demonstrar um pouco de simpatia pelos mais fracos às vezes é vantajoso.
Que fingir interesse pelos outros pode abrir portas, para mim.
Tudo isso desde que haja um limite bem definido,
Um verdadeiro abismo,
Entre o que eu digo que é bom para os outros
E o que considero satisfatório para tudo o que se refira à minha pessoa.

Na verdade, eu sei que não sou o outro.
Eu quero deixar bem claro que pertenço a uma categoria bem melhor que a do outro.
Esse outro é diferente de tudo o que eu identifico como pertencente ao meu mundo,
Esse outro não vale quase nada.
Esse outro só presta para servir,
De preferência, sempre dócil e satisfeito,
Burrinho, mas suficientemente bem-educado.

Aprendi que é melhor assim. Que é natural que seja assim.
Aprendi tudo isso na escola, nas aulas de História, nas de Educação Moral e Cívica,
No recreio,
No isolamento humilhante das crianças que fediam a urina,
Que tinham cabelo crespo e não alisavam, que não usavam shampoo.
Nas frases ditas com rispidez àquelas que não mereciam ser bem tratadas,
Aos filhos de zés-ninguéns.

E até hoje sou assim e
Não sei o que fazer comigo.

Infelizmente.

Sou uma mulher de alma bem brasileira,
Uma entre tantas herdeiras de um país cuja história é uma sucessão de experiências infames em matéria de sociedade.
Sou mais uma que tem pavor da brutalidade que acontece em cada esquina,
Mas é totalmente indiferente às suas raízes profundas.
Sinto que os horrores da senzala estão impressos na minha alma,
O problema é que eu simplesmente não consigo imaginar meu país sem ela.

É difícil admitir, mas é verdade.


quinta-feira, 10 de março de 2016

Entrevista no Blog Listas Literárias

O Douglas Eralldo do Blog Lista Literárias publicou uma conversa que tivemos sobre o livro "Memorial das Flores" e outros temas ligados à literatura. É sempre bom poder trocar ideias e fiquei muito contente em participar. Deixo aqui o meu agradecimento ao Douglas, que foi muito gentil em propor a entrevista. Para conferir a matéria na íntegra, clique no título da entrevista:

10 Perguntas inéditas para a escritora Mariângela Souza Ragassi

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O caminho



Nos buracos deste estranho caminho
A estrada teima em desaparecer a cada passo
Os pés pisam no vazio,
Mas os joelhos registram os tombos, um a um
No caminho não há placas
Não há indicações
Não há qualquer alusão aos perigos
Não há faixas de segurança
Às vezes falta luz
Outras vezes falta horizonte,
É noite densa como asfalto
É dia difuso na neblina da alma,
Os olhos não enxergam bem
Mas todos os sentimentos avisam
Que no caminho não há nada
Além daqueles que fazem com que haja um caminho.


Mariângela Souza  Ragassi
Assisi - Fev. de 2016

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O blog "Biblioteca do Murilo" fala sobre o Memorial das Flores

Esta é a resenha que o Murilo Jr., de Ananindeua, Pará, tão atenciosamente publicou no seu blog "Biblioteca do Murilo":

Terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Memorial das Flores
Autora: Mariângela Ragassi.
Ed. Chiado. 1a edição- Nov. 2015.
Lisboa - Portugal.


Enredo:
Flora é uma mulher em crise. Um casamento desfeito há 7 anos ainda a entristece.
Com a morte de Anna, sua mãe, só lhe restava a tia , que agora falece , sendo Flora chamada a sua residência para recolher os pertences.
Através de uma caixa de fotografias, dá-se o início o memorialismo do título.
A narrativa é tão condensada que me abstenho a desenvolver mais o enredo, para evitar revelar os mistérios que serão desvendados ao longo do texto.
Os temas em destaque são: Gravidez indesejada, rompimento de noivado, solidão, machismo, angústias existenciais , entre outros.

Características do texto:
Prosa realista, objetiva, levemente poética (pelo uso de metáforas e comparações ).
Narrador onisciente, porém não onipresente.
Fluxo: Rápido.
Composição: Capítulos breves, com intercalações entre presente e passado (este em maior volume).
Prosa verossímil, com atenção focada nos momentos dramáticos das vidas de Flora, Anna (mãe de Flora) e Gemma (irmã de Anna e tia de Flora).
Bastante reflexivo.
Sutilmente a autora vai expondo suas ideias sobre a vida, a morte, as paixões amorosas, nas figuras das personagens.
São cenas dos dramas da vida moderna de mulheres do sec. XX.
Há também momentos de descrições psicológicas dos mecanismos de defesa ,como p.ex. Forte recalque após violência.

Notas do resenhista:
Desconfio que a autora tenha bebido da fonte dos existencialistas franceses do pós- 2a guerra, principalmente das análises da escritora Simone de Beauvoir, que refletiu a vida e as possibilidades da condição feminina.
A questão da liberdade humana também ocorre no Memorial das Flores, como p. ex. as tomadas de decisões capitais num Universo silencioso. Aqui a escritora Angela Ragassi vai exemplificar de forma personalíssima o que Beauvoir sistematizou.

Sobre a Autora:
Mariângela Ragassi nasceu em 1969 em Ourinhos, interior de São Paulo, Brasil.
Escritora talentosa foi premiada em 1986 no concurso literário "A paz no Brasil e no mundo", promovido pelo Estado de São Paulo.
Classificou-se em 3o lugar no Mapa Cultural Paulista de 2003/2004, com o conto: Lucicleide na Janela.
Memorial das Flores é seu primeiro romance.


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O blog "Listas Literárias" fala sobre o livro "Memorial das Flores"

10 Bons Motivos para conhecer Memorial das Flores, de Mariângela Souza Ragassi

Olá Leitores! Hoje convidamos vocês a conhecer mais uma autora nacional e seu trabalho literário. No post de hoje selecionamos 10 bons motivos para conhecer Memorial das Flores, de Mariângela Souza Ragassi, confira:

1 - Memorial das Flores é a primeira publicação da autora Mariângela Souza Ragassi, escritora engajada que mesmo antes da publicação deste trabalho conseguiu destacar-se em premiações e concursos literários;

2 - Dentre as premiações da autora no campo da literatura, ensino e cultura, podemos destacar que em 1986 foi premiada no concurso literário “A Paz no Brasil e no Mundo” promovido pelo Governo do Estado de São Paulo. Em 1998 venceu o prêmio “Uma Professora Muito Maluquinha” promovido pela editora Melhoramentos e ainda, Classificou-se em 3º lugar no Mapa Cultural Paulista de 2003/2004 com o conto “Lucicleide na Janela”;

3 - Portanto, a autora que em 1998 concluiu o curso de licenciatura em Artes Plásticas na Unicamp - Campinas. atualmente radicada na Itália desde 2006 e trabalhando no setor editorial com traduções para o português, possui bastante intimidade com as letras que indica seu compromisso para com os livros;

4 - Contudo, penetrando diretamente na obra, o livro  foi escrito na cidade de Assisi, Itália, no período de 2014 a 2015 e é uma história que fala sobre quanto é difícil lidar com o acúmulo desordenado das várias camadas de memória que compõem a nossa identidade;

5 - Assim, a narrativa conta a história de três gerações de uma família dividida entre o Brasil e a Itália, cujos integrantes encontram-se aprisionados nas malhas do tempo, como se as suas vidas fossem sobrepostas e determinadas pela recombinação de acontecimentos que se repetem incessantemente, criando uma armadilha, um jogo de espelhos que segrega a memória em compartimentos múltiplos e cada vez mais inacessíveis;

6 - E para quem se interessou pelo trabalho da autora, é possível encontrar nessa página uma série de endereços onde vocês podem adquirir o livro, na Europa ou no Brasil. Na mesma página vocês encontrarão informações necessárias caso queiram comprar o e-book num preço super acessível e justo;

7 - Além disso, vocês também podem encontrar uma prévia do estilo de texto da autora acompanhando seu blog onde é possível perceber sua qualidade e compromisso com a literatura, além é claro de encontrar todas as informações sobre seu trabalho;

8 - Mas para além da temática da memória, os leitores do livro encontrarão também histórias de relações amorosas, e a promoção de encontros entre o passado e o presente em que a reconstituição de antigos acontecimentos é necessária;

9 - Da mesma forma, pode ser interessante observar como a autora trabalha a ambientação de sua obra já que a personagem principal é Flora, uma tradutora brasileira de 30 anos que vive na Itália, país de origem do seu avô. Em 2014 ela é obrigada a voltar às pressas para o Brasil; vejamos que esse é um tipo de situação que pode promover um debate sobre construção de identidade relacionada a vivência em dois países distintos;

10 - Enfim, Memorial das Flores parece bastante promissor pois apenas por sua apresentação já podemos perceber o cuidado e esmero da autora na divulgação de seu trabalho. Certamente é uma boa oportunidade para conhecermos coisas novas e diferentes na nossa literatura, numa obra "binacional" que vale colocar lá em sua estante do Skoob para futuras leituras.